15/04/2012


. Sem título .

Hoje vai ser diferente, vou postar um texto inédito, fictício, um conto, uma história, um pedaço. Caso agrade, posto outros.


Sem título

Não saberia dizer até onde era falsidade aquilo tudo. Não confiava mais em amizades eternas. Era desconfiado, tinha medo de que na próxima curva sua vida virasse uma novela brega. Na verdade, tinha medo de não acabar em final feliz.

Tinha duas camisas, três calças. Sapatos velhos, rosto enrugado pela preocupação mas era novo, era tão novo que nem sentia o peso da idade nas costas. A vida lhe ensinara o que era difícil sem poupar instrumentos para que isso se tornasse realidade. Tinha pouco e o pouco que tinha o fazia sentir-se mais só do que se nada tivesse.

No canto do olho sempre trazia uma lágrima. Não sabia porque, mas era o único homem que conhecia que estava sempre na iminência de um choro convulsivo, vai ver todos os outros também eram assim, mas não traziam aquela lágrima grossa no olhar.

Um dia manifestou o desejo de ter mais, mas aturdido com tamanho trabalho que isso daria resolveu desistir sem ao menos ter tentado. Era fraco. Sentia-se fraco, na verdade. Nunca antes tentara ser forte ou corajoso, fugia dos mais diversos tipos de provações e provocações. Não era de conversar sobre si, nem com os outros e nem com Deus. Sentia-se um estranho em sua casa e perambulava pelas ruas depois do trabalho. Tinha sonhos, sim, mas era impedido de seguir em frente por algo dentro dele, maior que ele. Era um fraco.

Naquela primavera algo estranho aconteceu, no meio da tarde de uma segunda-feira chuvosa de setembro, ao sentar-se na mesa de sempre do bar de sempre, surpreendeu-se olhando para uma mulher sentada a sua frente.

Deixou os olhos caminharem pelo corpo dela, pelas curvas, pelos cabelos negros, pelos saltos vermelhos, pelas pernas cruzadas milimetricamente encaixadas uma na outra, até que ao olhar para seu rosto percebeu que ela chorava. Ela chorava intensamente, silenciosamente, uma lágrima grossa no canto do olho esperando a vez de rolar por sua face. Ela tinha aquela mesma iminência de choro compulsivo, a qual ele guardava dentro de si por toda vida.

Por um momento pensou em aproximar-se, mas não saberia dizer, não saberia que texto, que frase, que propósito tinha naquilo tudo, então, ele não se aproximou. Porém, em um movimento completamente inesperado, ela virou-se para ele e sorriu; sorriu como se se desculpasse de todo o constrangimento que um homem sofre ao ver uma mulher chorando. Então, ele se levantou, estendeu-lhe a mão e lhe enxugou aquela lágrima grossa do canto dos olhos dela. A lágrima rolou por entre os dedos dele e ela agradecida assentiu com um tocar de lábios em seus dedos. Não precisaram falar nada, apenas ficaram ali olhando um para o outro, sem trocar nenhuma palavra, nenhum som, só um gesto: as mãos dele no rosto dela.

Naquele momento ele sabia que aquilo era o mais próximo que iria chegar de um final feliz na vida, e desejou que aquele momento durasse para o resto daquilo que ele costumava chamar de vida.

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