03/09/2012


. Tortos .

Por muito tempo tentei distinguir você de mim até perceber que éramos um. 

É bem verdade que somos dois tortos, e nem na nossa soma conseguimos consertar essa falha que nos cerca desde que nascemos. 

Fiz vista grossa para tantas coisas certas que você disse, andei descalço todas as vezes que os copos quebravam depois de serem arremessados em direção a parede. Todas as vezes você errou o alvo. Fechei os olhos para todas as realidades cortantes que você apontava com ar de sabedoria, achava tudo aquilo chato, sem sentido, tedioso. Tapava os ouvidos a qualquer sinal de falação sobre suas teorias infundadas. Mas não sei ao certo porque sempre fiquei por perto, sempre me fiz aninhar no seu colo toda noite fria, sempre encolhido em mim com medo de qualquer coisa que não era você, que era você, medo de qualquer coisa que me fazia ficar ali esperando a próxima explosão, a sua próxima explosão. 

Minha vontade maior sempre foi te empurrar escada abaixo, tipo em novela, sabe? Minha porção Odete Roitman se fazia mais presente na sua presença. Vi tantas vezes minha mão em volta do seu pescoço branco, macio, e tantas vezes deixei de apertá-lo com toda a minha força, meu melhor lado sempre aparecia nos piores momentos. E aqueles gritos sufocantes que nunca demos, aqueles que você soltava depois que esperava eu sair do quarto, esses eu queria ter ouvido, disso eu gostaria de ter participado. Era essa a minha vontade: ouvi-los.

Toda aquela aflição, toda aquela tensão, todo aquele tesão. Incrível como éramos incríveis. Incrível e tanto que realmente não cri. Afinal, soltávamos faíscas que iam além do simples ato de prazer. Nada nunca era seguro. Nossos incêndios eram reais.

Nunca houve felicidade. Você reparou nisso? Nunca fomos de fato felizes. Éramos opostos tão opostos que nos tornamos iguais nas infelicidades e derrotas. Dois derrotados. Ambos esperando que o outro vencesse para que tirássemos proveito de qualquer pingo de coisa boa que pudesse existir. Nunca existiu. Dois imbecis. Idiotas vivendo sob o mesmo teto por tanto tempo. Nos privamos de nós mesmos, que ironia, logo nós que vivíamos tirando sarro da cara de todos os infelizes solitários.

A verdade é que entre copos quebrados, vidros estilhaçados, mãos sangrando, pés cortados, toda vez que olhava para você eu sabia que estava apenas vendo o reflexo torto de mim. 

Como disse somos tortos, dois e não um, não mais.

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