De doce não tinha nada. Cabelos emaranhados, camisas rasgadas, calças sempre sujas de algum tom verde de tinta.
De doce não tinha nada. Sua amargura era tão legítima quanto a cor verde de seus olhos. Os cabelos longos beirando a curva que antecede a bunda. Era a verdade em forma de mulher.
Debruçada sobre as telas em branco tentava se ver refletida em cada uma delas, tentava encontrar o fundo como se todas aquelas telas em branco fossem um rio. E daquelas águas almejava tirar a doçura que permitisse sair da inércia em que se encontrava.
Era como se o mundo andasse mais depressa enquanto o tédio tomava conta dos seus dias. Como se fosse óleo que não se mistura com água, parado, ali, esperando sem esperança um detergente que o unisse, que o fizesse ser um só.
Não pintava mais, não se mexia mais, não produzia, não se sabia, não era.
Ela e as telas, tintas sobre calças jeans que não viam água há meses. Era piedade de si mesma. Descartava todas as possibilidades de ser outra, de reformular-se, andava disforme, roupas largadas, cabelos encharcados de suor. Não queria saber do belo e por isso resolveu pintar a si mesma.
E naquela tela o que se viu foi o verde do olhar, o amarelo dos cabelos e o azul das calças jeans. Não era bela, não era sólida, não era, exatamente como ela se via, se entendia, se ouvia. Era a parte do todo, o pouco do muito, a representação do nada. Era como se via, se construía, um autorretrato.
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